quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

32. O Monacato.

32. O Monacato.




Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto



1. O século IV é também o século do monacato. Criação do Egito cristão, o monacato teve sua primeira floração geral no Oriente. Dali passou ao Ocidente, convertendo-se também aqui em guia de sua milenar história medieval. No Oriente manteve com maior rigor sua radical separação do mundo e raras vezes interveio no curso da história 38. Mas também ali, ou precisamente ali, como refúgio genuíno da renúncia ao mundo e centro de cultivo da liturgia e a arte sacra, constituiu um exemplo de vida para toda a Igreja cristã.

2. Jesus havia ensinado que só uma coisa tem valor para o homem: o que não morre (Mt 10:28; 16:26). São Paulo havia exortado a sua comunidade a não sobrecarregar-se com as coisas deste mundo e os que usam deste mundo, como se dele não usassem em absoluto (1Cor 7:29-31). Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas.(Lc 12:35) deviam os cristãos esperarem a chegada do esposo. A renúncia ao mundo, ponto característico do cristianismo primitivo, foi logo se debilitando gradualmente em toda a cristandade. Contudo, nunca deixou de estar vigente o espírito de renúncia que exigia a doutrina fundamental do cristianismo e que nos primeiros séculos celebrou nos mártires sua mais importante vitória. Tanto a confissão de São Paulo de que a lei do pecado vive em nossos membros (Rom 6:19), mas que ele (Paulo) castiga seu corpo (1Cor 9:27), como seu grito desejoso de ficar livre deste corpo de morte (Rom 7:24), junto com a doutrina e a vida de Jesus, impulsionaram cada vez mais a mortificar o corpo e seus apetites, isto é, a praticar a ascética. Já temos visto as exigências rigoristas de alguns círculos gnósticos, de Montano, Tertuliano, Novaciano. Suas exageradas idéias os levaram a atitudes contrárias à Igreja. Mas também na Igreja houve sempre ascetas que por amor a Deus renunciaram ao matrimônio, aos bens, à carne e ao vinho. Estes, porém, nos primeiros séculos, continuaram exercendo sua profissão na vida civil.

3. Uma importante censura nesta evolução se produziu com a perseguição de Décio. Alguns cristãos do Egito, que ante a ameaça de morte, haviam ido ao deserto da Tebaida, uma vez passado o perigo, permaneceram naquela solidão, na qual, seguindo o exemplo do Senhor (Lc 4:1) como São Paulo (Gal 1:17) e alguns profetas do Antigo Testamento até São João o Batista, haviam podido experimentar a força transformadora da solidão com Deus: este é o começo da vida eremítica. Daqui nasceu, no século IV, o monacato.

Quando com a liberdade da Igreja e as conversões em massa começou a descer perigosamente o nível da vida religiosa e moral da cristandade, quando já apenas havia mártires, precisamente então recebeu a Igreja estes novos plantéis do heroísmo cristão, nos quais, em meio de um mundo completamente distinto, ainda podiam seguir cultivando-se os supremos ideais do cristianismo e os graus heróicos das primitivas virtudes cristãs: o monacato é a continuação, circunscrita a um lugar, da primitiva idéia cristã da fuga do mundo.

No deserto, esta imitação de Jesus na cruz e na pobreza teve uma marca especial: múltiplos dons da graça, os mesmos que nos primeiros tempos contribuíram a configurar o rosto da Igreja, uma esperança viva na iminente chegada do Reino de Deus e vocações proféticas de diversas índoles buscaram aqui sua forma adequada e cobraram grande força. Os eremitas viviam à margem da Igreja visível: desconectados durante muito tempo dos sacramentos e do ministério sacerdotal, entregues só à meditação da palavra de Deus e à penitência. Mas para a comunhão dos santos foram um tesouro inesgotável. Sua palavra inspirada serviu de apoio a muitos, e seu sacrifício e oração, de força nutrícia.

4. A primeira figura historicamente constatável de um eremita cristão é o egípcio Antônio (+ 356). Santo Atanásios nos descreveu sua vida. Em seus últimos anos, a ele se uniu outros ascetas para tomar dele conselho e direção. Assim surgiram organicamente os primeiros impulsos para a vida em comunidade (cenobitismo) destes ermitãos. "Uma grande quantidade de homens santos, que se concentram em lugares inabitáveis, como em uma espécie de paraíso," assim os define São Jerônimo, que também foi eremita durante alguns anos.

a) O conhecimento dos perigos corporais e espirituais que entranhava uma vida eremítica tão irregular moveu a Pacômio (igualmente no Egito, + 345) a reunir aos eremitas em uma comunidade no deserto. A vida em comum fez necessário um regulamento. Pacômio o escreveu, nascendo assim a primeira regra monástica, que serviu de modelo para outras regras posteriores.

O monacato da Igreja foi em sua origem um movimento de leigos. Só mais tarde participaram nele também os sacerdotes.

b) Por que surgiu o monacato precisamente no Egito? O clima e o terreno (deserto, solidão) eram certamente favoráveis. Também pode suceder que no Egito, solo de uma antiqüíssima cultura, os cristãos se cansassem daquela civilização tão refinada antes que em outras partes, o que os induziu a fugir do mundo. Mas tudo isso é de uma importância secundária. Para provocar semelhante movimento tem de intervir um fator positivo 39. Este poderia muito bem cifrar-se na extraordinária importância que no Egito revestia, desde milênios, a expectativa do mais além. Esta atitude espiritual e religiosa básica, da que tantas gerações se haviam nutrido, era altamente apropriada para albergar e fazer frutificar as vocações cristãs a uma ascese especial e à perfeição evangélica.

5. A vida religiosa comunitária na solidão passou do Egito à Palestina e Síria. Foi sobre tudo São Basílio o Grande quem mediante sua atividade e suas regras (que incluíam o estudo e a cura de almas; renovação da liturgia) assegurou sua vitória definitiva no Oriente (especialmente na Ásia Menor) frente ao ascetismo livre e pessoal e a oposição de parte do clero.

A primeira notícia do novo gênero de vida, a trouxe ao Ocidente Santo Atanásios, durante seu exílio em Roma e Tréveris. Também contribuíram grandemente a sua introdução no Ocidente São Jerônimo e São Martinho de Tours. Em Tours se erigiu o primeiro mosteiro do Ocidente, dois séculos antes de São Bento; a regra de São Martinho não chegou até nós.

As bases da vida monástica foram, e seguiram sendo durante séculos, o trabalho manual e a oração; mas ao princípio ainda não se aspirava a uma espiritualidade superior, tal como a encontraremos depois nos mosteiros medievais do Ocidente. Porém, algumas personalidades de espírito elevado se sentiram, já desde o primeiro momento, fortemente atraídas pelo monacato. Originariamente, a cura de almas diretamente não formou parte do ideal monástico. No Ocidente sucedeu o mesmo.

Mas também neste aspecto teve de mostrar logo sua força o caráter mais ativo do homem ocidental e, especialmente, o impulso missionário romano: com São Gregório I, os beneditinos começariam a sair de seus mosteiros e a converterem-se em grandes missionários. De modos muito distintos, seriam os monges quem cristianizariam os países europeus e a vida de seus habitantes no âmbito da Igreja latina.

6. São Bento de Núrsia (de 480-547) foi quem deu ao monacato do Ocidente organização estável. De sua vida temos notícias tão inseguras que recentemente até se tem chegado a negar sua existência; isto o dizemos só a título de curiosidade. Em todo caso, uma coisa é evidente: a regra leva seu nome. Esta obra maravilhosamente equilibrada, de grande clareza e capacidade de adaptação, cheia de mesura tipicamente romana, é um dos últimos grandes presentes que o gênio romano fez ao incipiente mundo medieval. Quando São Bento fundou o mosteiro de Monte Cassino (529), que se converteu no berço da nascente ordem beneditina, as ondas da invasão dos bárbaros já haviam rugiu por todo o Ocidente. Seu mosteiro e sua regra foram uma expressão de estabelecimento pacífico dos novos povos, entre os quais já podia começar a obra educadora da Igreja. Mas também, em certo sentido, foram causa deste estabelecimento. A stabilitas loci liga a terra aos inquietos. A regulamentação da jornada diária estabelecida por Bento, que começa com o início das matinas, se converteu para os germanos em modelo de uma atividade regular e, ao longo, construtiva.

A obra mestra de São Bento, sua regra, é um código de vida monacal que venceu todas as outras regras e costumes conventuais, sendo até o século XIII a única regra vigente no Ocidente. Bento se inspirou sobre tudo nas Sagradas Escrituras e nos santos Pais latinos; utilizou, porém, amplamente a rega de São Basílio 40. São Bento centrou toda a vida dos monges — ora et labora — na celebração do culto divino. Também ele conhecia os perigos e inconveniências da vida dos monges que perambulavam livremente. Por isso adicionou aos três votos conhecidos a obrigação de não mudar de mosteiro (stabilitas loci). Toda a ordem da vida comunitária descansa, nem sempre na participação dos monges na administração, na autoridade paternal (paternitas) do abade; este é por inteiro o representante de Deus.

Também aqui se exigiu aos monges, junto com a oração, o trabalho manual. Tanto é assim, que a regra sempre deu espaço ao trabalho intelectual, foi o princípio do trabalho manual o que deu ao monacato a grande importância histórica que alcançou na Idade Média. Em efeito, este trabalho criou civilização nos terrenos até então não cultivados, centro dos quais continuou sendo o mosteiro. Necessariamente, esta atividade não se limitou ao econômico. Teve também efeitos no plano intelectual e político (além do religioso, naturalmente). Assim, estes lugares de fuga do mundo se converteram em centros de configuração do mundo para a Igreja, o Estado e a ciência.

7. O haver introduzido diretamente o trabalho intelectual no programa dos mosteiros se deve em grande parte ao eminente cônsul e senador romano Casiodoro (+ 583), secretário privado do ariano Teodorico. Quis fundar em Roma uma universidade cristã (sob o Papa Agapito I). Em suas possessões na Calábria (no sul da Itália padeceu relativamente pouco as invasões dos bárbaros) fundou mosteiros, aos quais encomendou como tarefa especial o estudo e transcrição de manuscritos (e também miniaturas). A ele sobre tudo devemos a salvação dos tesouros culturais da Antigüidade latina.

8. Também o monacato é uma impressionante expressão da síntese católica: a Igreja do mundo cria o monacato que foge do mundo. Em vez de afirmar unilateralmente que isto significa uma dissociação da moralidade obrigatória por igual para todos os cristãos, temos boas razões para destacar a fecundidade desta síntese, que não só garantiu a possibilidade do máximo heroísmo, senão que o promove diretamente, apresentando com insistência ante todos, o ideal comum de perfeição cristã como fim supremo.

a) Quão carregado de simbolismo esteve também o momento de sua aparição! A Igreja era desde a pouco, Igreja estatal e estava chamada a colaborar na configuração do mundo. Então, de sua própria vida espiritual, dom imperdível de Cristo em sua fundação, brotou o monacato, ao que através dos séculos se cultivariam os carismas da Igreja primitiva.

Apesar da lassitude que também este centro acusaria a pouco nos tempos seguintes, é imensa a força que o monacato em suas múltiplas formas fez afluir à Igreja universal e ao mundo.

b) Com o monacato também apareceu na Igreja um novo ideal que haveria de alcançar grande importância na Idade Média e que ainda hoje é um dos pontos essenciais da Igreja Católica: a alta estima da virgindade. Partindo da idéia de pertencer de forma indivisa ao Senhor (1Cor 7:34), a Igreja teve desde o princípio virgens consagradas a Deus, como atestam as atas dos mártires. O crescente culto da Virgem, Mãe de Deus (Éfeso), elevou a dignidade deste estado 41. Para o monacato ocidental, tal como o organizou São Bento de Núrsia, a castidade era um suposto absolutamente evidente; assim, porém Bento inseriu em sua regra um capítulo próprio sobre a pobreza e a obediência, ressaltando a importância de ambos os fatores, especialmente o da obediência, em nenhuma parte deu nada em elogio à virgindade. (N.T. no cap. 4 de sua Regra, S. Bento faz somente um pequeno comentário em “Quais são os instrumentos das boas obras”, mas isto como ele mesmo mostra no mesmo capítulo é geral a todos, mas direciona no fim do mesmo, onde os monges irão praticar a lista citada entre esta o “amar a castidade”)

38 Contudo, os monges participaram apaixonadamente nas controvérsias doutrinais; veja-se, por exemplo, o monofisismo e os iconoclastas (§ 39).

39 Também o Egito pagão teve seus ermitãos, que serviam a Serapis. Fatores favoráveis foram também as condições climáticas e a situação da Tebaida a "margem" da civilização, ou seja, bastante separada dela para falar a solidão, mas bastante próxima para conseguir abastecimentos e segurança.

40 A relação entre a regra dos beneditinos e a Regula Magistri recentemente descoberta, ainda não tem sido totalmente clarificada cientificamente.

41 Sem dúvida, também no Oriente deixaram depois influências maniqueas; paralelamente à alta estima em que se tinha ao estado virginal, também se manifestou um certo desprezo pelo matrimônio.

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Sacerdote ortodoxo e busco interessados na Santa Fé, sem comprometimentos com as heresias colocadas por aqueles que não a compreendem perfeitamente ou o fazem com má intenção. Sou um sacerdote membro da Genuina Igreja Ortodoxa da Grecia, buscamos guardar a Santa Tradição e os Santos Canones inclusive dos Santos Concílios que anatematizam a mudança de calendário e aqueles que os seguem, como o Concílio de Nicéia que define o Menaion e o Pascalion e os Concílios Pan Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848. Conheça a Santa Igreja neste humilde blog, mas rico no conteúdo do Magistério da Santa Igreja. "bem-aventurado sois quando vos insultarem e perseguirem e mentindo disserem todo gênero de calúnias contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos pois será grande a vossa recompensa no Reino dos Céus." "Pregue a Verdade quer agrade quer desagrade. Se busca agradar a Deus és servo de Deus, mas se buscas agradar aos homens és servo dos homens." S. Paulo. padrepedroelucia@gmail.com